A noite já
vai longa e a Quinta já passou. A viagem, tal como dito, iniciou-se em Terras
da Beira, pela circunscrição Fundão - Castelo Branco - Idanha. Tal como outras
viagens, menos cronometradas, perdeu-se a noção do tempo que o deslumbre ocupa.
Ganhou-se a percepção que não há dia de calendário agendado que valha ao
inesperado de um desafio assim, quando pôr os pés ao caminho não é apenas uma
metáfora, é um sentido apurado. Hoje o cansaço venceu-me e rasguei promessas,
entre tentar e conseguir, a distância é ténue na contradição. Há que reinventar.
Deste tríptico Beirão falarei daqui a uns dias, do jornal, Casino e gentes do
Fundão, ao jardim das estátuas em Castelo Branco, aos roteiros livrescos da
Idanha, juntando a paisagem e os recantos vários, à agenda cultural destas
terras. Hoje porém partilho outra crónica minha, publicada aqui em 2010. Quando
cheguei ao Fundão foi nela que racaí, foi dele que me
lembrei. Tenha a vida dele sido longe
dali, a verdade é que os tons desta terra vão busca-lo. A ele e aos Deuses.
Crónica a Eugénio:
Nasceu perto do Fundão, berço cerejeiro da Cova da Beira onde a serra da Gardunha teima em vestir-se de tons inebriantes quando cai o Outono. O pequeno José Fontinhas afasta-se das raizes levando consigo uma década de vida, rumo a Lisboa no enevoado ano de 1933. Com vinte anos instala-se em Coimbra, a Aeminum conhecida de tantos nós. Sete anos depois muda-se para o Porto onde irá permanecer até ao fim da sua vida. Para o Mundo, Eugénio de Andrade, imortalizado na sua escrita. Para mim um assumido mistério deambulante entre José e Eugénio.
Meu caro Eugénio de Andrade,
Nunca me perguntei porque escolheste uma força tão profunda como
pseudónimo, isto é, não quis saber. Até ao dia… Até ao dia em que te tornaste
névoa na imortalidade da alma, tal foi o legado de emoções e imagens que
deixaste na tua escrita. Eugénio de Andrade … Se Eugénio nos leva à
descontrução de eu-génio, ou à eugenía, Andrade fica para a história com a
conotação da origem daquele que viria a ser o primeiro pedaço de solo onde se
abriram as portas para o condado portucalense – A misteriosa Galiza.
Deambulações, especulações, sobretudo vontade, vontade que nada tenha sido ao
acaso. Mas não é isto que me importa. Não é o teu nome que me revolve as
entranhas, é aquele facto frio de nunca sabermos o que está na emoção resguardada
de um escritor, de nunca conseguirmos descobrir onde é a mansarda, de tectos
altos, com janelas abertas para o mundo do Ser. Por isso te escrevo. Porque
quero dizer-te que escreveste o Adeus
mais perfeito a uma carta de amor. Mas que o José Fontinhas lançou a tua melhor
obra, quando se despiu de ti e te ofereceu Green God. Sim Eugénio, Green God és
tu, pelas mãos daquele que te criou. Sobre ti. O “Deus Verde”, para os Celtas,
a perfeita junção entre o Homem e a Natureza, o equilibrio. Tu eras o
equilibrio de José. E, por isso, mais uma vez. Para ti:
Green God
Trazia consigo a graça
das fontes, quando
anoitece,
Era o corpo como um rio
em sereno desafio
com as margens, quando
desce.
Andava como quem passa
sem ter tempo de parar.
Ervas nasciam dos
passos,
cresciam troncos dos
braços
quando os erguia no ar.
Sorria como quem dança.
E desfolhava ao dançar
o corpo, que lhe tremia
num ritmo que ele sabia
que os deuses devem
usar.
Até já.
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