sexta-feira, 30 de março de 2012

Notícias à Quinta - Crónica inesperada.

A noite já vai longa e a Quinta já passou. A viagem, tal como dito, iniciou-se em Terras da Beira, pela circunscrição Fundão - Castelo Branco - Idanha. Tal como outras viagens, menos cronometradas, perdeu-se a noção do tempo que o deslumbre ocupa. Ganhou-se a percepção que não há dia de calendário agendado que valha ao inesperado de um desafio assim, quando pôr os pés ao caminho não é apenas uma metáfora, é um sentido apurado. Hoje o cansaço venceu-me e rasguei promessas, entre tentar e conseguir, a distância é ténue na contradição. Há que reinventar. Deste tríptico Beirão falarei daqui a uns dias, do jornal, Casino e gentes do Fundão, ao jardim das estátuas em Castelo Branco, aos roteiros livrescos da Idanha, juntando a paisagem e os recantos vários, à agenda cultural destas terras. Hoje porém partilho outra crónica minha, publicada aqui em 2010. Quando cheguei ao Fundão foi nela que racaí, foi dele que me lembrei. Tenha a vida dele sido longe dali, a verdade é que os tons desta terra vão busca-lo. A ele e aos Deuses.

Crónica a Eugénio:

Nasceu perto do Fundão, berço cerejeiro da Cova da Beira onde a serra da Gardunha teima em vestir-se de tons inebriantes quando cai o Outono. O pequeno José Fontinhas afasta-se das raizes levando consigo uma década de vida, rumo a Lisboa no enevoado ano de 1933. Com vinte anos instala-se em Coimbra, a Aeminum conhecida de tantos nós. Sete anos depois muda-se para o Porto onde irá permanecer até ao fim da sua vida. Para o Mundo, Eugénio de Andrade, imortalizado na sua escrita. Para mim um assumido mistério deambulante entre José e Eugénio.

Meu caro Eugénio de Andrade,
Nunca me perguntei porque escolheste uma força tão profunda como pseudónimo, isto é, não quis saber. Até ao dia… Até ao dia em que te tornaste névoa na imortalidade da alma, tal foi o legado de emoções e imagens que deixaste na tua escrita. Eugénio de Andrade … Se Eugénio nos leva à descontrução de eu-génio, ou à eugenía, Andrade fica para a história com a conotação da origem daquele que viria a ser o primeiro pedaço de solo onde se abriram as portas para o condado portucalense – A misteriosa Galiza. Deambulações, especulações, sobretudo vontade, vontade que nada tenha sido ao acaso. Mas não é isto que me importa. Não é o teu nome que me revolve as entranhas, é aquele facto frio de nunca sabermos o que está na emoção resguardada de um escritor, de nunca conseguirmos descobrir onde é a mansarda, de tectos altos, com janelas abertas para o mundo do Ser. Por isso te escrevo. Porque quero dizer-te que escreveste o Adeus mais perfeito a uma carta de amor. Mas que o José Fontinhas lançou a tua melhor obra, quando se despiu de ti e te ofereceu Green God. Sim Eugénio, Green God és tu, pelas mãos daquele que te criou. Sobre ti. O “Deus Verde”, para os Celtas, a perfeita junção entre o Homem e a Natureza, o equilibrio. Tu eras o equilibrio de José. E, por isso, mais uma vez. Para ti:

Green God

Trazia consigo a graça
das fontes, quando anoitece,
Era o corpo como um rio
em sereno desafio
com as margens, quando desce.
Andava como quem passa
sem ter tempo de parar.
Ervas nasciam dos passos,
cresciam troncos dos braços
quando os erguia no ar.
Sorria como quem dança.
E desfolhava ao dançar
o corpo, que lhe tremia
num ritmo que ele sabia
que os deuses devem usar.




Até já.

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